segunda-feira, 28 de março de 2011

Eu realmente odeio a NET

                Estou la, vendo minha querida série House, e refletindo comigo mesmo sobre os interessantes temas éticos que a série propõe a cada novo episódio, quando sou – abruptamente – interrompido pelo intervalo comercial. É uma frustração, e eu me sinto realmente um idiota de não ter baixado da internet sem intervalos e ter economizado 15min (isto mesmo, 15 inteiros minutos) de propaganda (normalmente, quando recorremos a algo pirata ou ilegal, a qualidade é pior. Nesse caso, baixo no mesmo HDTV e sem comerciais. Difícil resistir a tentação.).
                Mas até ai tudo bem. Ter de ver propaganda na tv a gente já se conformou, não é verdade? Afinal de contas, se eu gostasse de novela da Globo, eu teria sérios problemas, pois não teria que agüentar somente o comercial, mas também o intervalo de um dia inteiro. Então, no final das contas, até me sinto aliviado pelo fato de que séries mais, digamos, construtivas do que a novela da Globo tenham seu conflito criado e resolvido no mesmo episódio.
                Acontece que, durante o intervalo, a tela escurece. Passa-se um segundo em silencio, e aparece na tela um homem bem vestido segurando um violão. E ele começa a tocar, andando no escuro, enquanto canta e, ao seu redor, vão aparecendo ilustrações da letra que ele canta.
                Mano!... MANO!... Qual é o problema da NET?!?! Juro, assim, se fosse um comercial normal de TV a cabo, como o da SKY, eu nem reclamaria. Porque eles são idiotas, mas são idiotas na média,já que todos os comerciais brasileiros tendem a certa idiotice. Mas não. NÃO! A NET, com seu plano maligno de dominar o mundo (é sério!), tem que colocar um cara idiota cantando uma música idiota com um ritmo irritante. Já bastasse a porra daquele general de merda que tivemos que agüentar durante anos, dizendo “skavuska” ou seja la o que aquele ser indesejável dizia; agora temos que agüentar um cara de terno que se acha o foda andar com um violão na mão fingindo tocar e cantar (óbvio que é dublagem), e prometendo para mim que, se eu assinar essa droga de serviço (que só é bom porque a concorrência é pior), eu vou ter um milhão de amigos e uma família muito mais unida e feliz.
                MAAANO!... Normalmente, quando as empresas fazem este tipo de propaganda em que não vendem o produto  e sim alguma ideologia ligada a ele, elas disfarçam. A NET não! É de uma cara de pau tão grande, que o cara literalmente vira pra você e diz: olhe, assine a banda larga mais cara do mundo porque assim você vai fazer um milhão de amigos, ser O Cara do seu bairro, ter uma família muito mais feliz e bla bla bla. E o pior é que a música é ruim e forçada!
                Mas agora vem o mais genial. Sabe qual é a mais nova do marketing da NET? Quando você chama um técnico para sua casa, na porta antes de entrar, e tira duas “redinhas” do bolso e calça os tênis com elas. E esta é a prova de como a NET te ama e te respeita! Sendo que a redinha é tão fajuta que passa até uma barata por ela! Mas, sério mesmo, eu vou continuar com a NET porque, na próxima vez que este serviço ruim falhar, eu não vou ter de me preocupar com toda a sujeira que o pé do cara carregou do carro dele até meu apartamento (digamos, 50m, os mesmos que eu percorro 10 vezes ao dia).
                Peço desculpas aos meus leitores por tratar de um tema tão fútil e de uma forma tão rude. Mas tem certas coisas, como o Kassab e a NET, que me tiram do sério. É um misto de frustração e raiva (com uma pontada de tendência suicida), que nem muita terapia poderá concertar.
                Boa noite! Durma bem! Fo mal ter desperdiçado 10min de sua vida!

terça-feira, 15 de março de 2011

Entre cocos de cachorro e listras no chão.

            Quando você é um pedestre de um destes bairros classe-média lotados de prédios – Perdizes, Pompéia, Higienópolis, e por ai vai – você se depara com alguns desafios. Primeiro, indubitavelmente, você vai se deparar com alguma calçada sendo reformada. É impressionante – quase fantasmagórico – a quantidade de reformas em calçadas que são feitas diariamente. E mais impressionante ainda: não importa quantas forem feitas, as calçadas continuaram irregulares e ruins de andar. É uma regra, tal como o fato de que nós não devemos andar pelados pela rua, de que calçadas tem de serem tortas, mal feitas e lotadas de obstáculos, que variam do cocô do cachorro (ai que raiva!) até um enfeite de plantas ridículo que esta ali só pra ocupar espaço mesmo.
            Mas, no momento em que abandonamos a calçada, a coisa piora, pois significa que teremos que atravessar a rua.
            Sabe aquela lei que existe, e todo mundo sabe que existe, mas ao mesmo tempo a sociedade decretou que ela não será cumprida? É exatamente isto que acontece com a lei que determina que, na faixa de pedestre, a preferência é do... PEDRESTE! Mas, sejamos sinceros, querer que CARROS parem para PESSOAS atravessarem só porque tem algumas listras no chão, é uma utopia que a gente ouve falar de lá da Europa, mas que sabe que o brasileiro, com todo seu orgulho de ser brasileiro, nunca vai cumprir.
            Quanto as leis naturais – que a natureza teimou em impor – essas nós não podemos escapar. E é ai que surgem as ruas – quero dizer – os penhascos da rua Caiubi, da rua Paris e companhia. Enquanto a gente sobe, embaixo do sol e desviando de baratas mortas e cocos de cachorro, a gente se sente realmente pagando os pecados. Quando você finalmente chega la em cima, você tem certeza que, se depender de você, Deus perdoou o crime de Adão e todos os outros humanos.
            Mas nem tudo esta perdido. Digo isto porque sou pedestre nato – ando de ônibus e vou a pé para a escola – e venho percebendo um negócio muito interessante. Carros são controlados por pessoas! Assim como nós, pedestres! Então, tratando-se da mesma cultura, é possível – pasmem – contato social!
            E me arrisco a dizer mais. Me arrisco a dizer que, 90% das vezes, um contato social inicialmente positivo tende a ser retribuído com outro igualmente positivo! A física errou: positivos se atraem. Se de repente você quer atravessar a rua na faixa e tem vários carros andando devagar nela, tente olhar para o motorista e sorrir. 90% do tempo, este vai deixar você passar! Não é genial?
            Acredito que minha descoberta revolucionou meu papel social de pedestre. Agora, chego até a mandar beijos para motoristas que se mostram muito gentis. Por que aos poucos a gente descobre que fazer um favor ou ter um favor feito, da uma certa satisfação (nem que ela seja 100% irracional).
            Então sugiro a você que, quando for um pedestre, sorria mais, tente atravessar na faixa e acredite mais na possibilidade de contato social. Agradeça e, quando der, faça um favor. 90% das vezes, da certo. Mas é 100% melhor que ficar bravo e sair xingando todo mundo.
            Abaixo o mau-humor no trânsito!!!

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tentação!...

            Quando a gente vive num mundo consumista como o nosso, a palavra tentação já é cotidiana. Na verdade, as vezes da mesmo a impressão que todo o mundo se desenvolveu de uma maneira que transforme as recompensas do nosso corpo, que antes eram necessárias, em industria. Quer endorfina? Vá a um sexy shop. Que feniletilamina? Coma chocolate. Um dia, sexo foi necessário para a reprodução, e a gordura e o açúcar eram difíceis de serem encontrados, e por isto mereciam um estimulo a mais para serem ingeridos. Hoje em dia, a gente só se aproveita destes mecanismos.
            E é por isto que existem as academias. Elas fazem muita fama: em perdizes, Pompéia, Higienópolis e companhia, você não anda mais que 5 quarteirões sem ver uma – e elas são grandes. É la que nós, humanos, orgulhoso, tentamos nos aproveitar de outro mecanismo da natureza: a atração sexual. Quando a seleção inventou que deveríamos nos atrair por corpos mais, digamos, definidos, ela estava pensando (mentira que ela não pensa!) em priorizar a reprodução de um gêneses mais forte fisicamente, o que era extremamente necessário antigamente, quando tínhamos de lutar por nossa sobrevivência. Mas, hoje em dia, tanto faz. Afinal de contas, a tal “selva de pedras” nem é tão selvagem assim. Mas, se a gente pode ficar com alguém mais gatinho ou mais gatinha se perder um quilinho e ganhar um músculo, por que não?  (que fique claro, pelo menos à minha namorada, que estou repetindo um discurso social).
            Então a gente corre na esteira. A gente nada quilômetros. A gente levanta peso. Tudo isso para se aproveitar de mais um mecanismo da natureza, alem de, claro, aumentar nosso orgulho próprio e auto-estima.
            Mas uma parte essencial de quem esta lá para perder uns quilinhos, é não se encher de doces e das tentações do fast food, supermercado e da padaria ali na esquina. É passar pela vitrine da ofner e fingir que não esta vendo aquela bomba de chocolate. Ignorar a sorveteria ao lado de casa. Enfim, negar a toda tentação da industria comilona.
            Ai que entra a verdadeira imagem da tentação. A objetificação do sentimento. O verdadeiro símbolo vindo diretamente do mundo das idéias de Platão!
            Uma maquina de doces!...
            Mas não é uma simples máquina. Quer dizer, a maquina é bem simples, você coloca um nota e sai um doce. Mas é o contexto histórico que importa. Porque a maquina está estrategicamente localizada na única saída da academia. Nem se você quiser sair sem olhar para ela você pode, pois ela fica ao pé da escada, então ou você olha para não cair na escada ou você não olha e da de cara no chão.
            Ai você olha, e bate aquela vontade. E você tenta reprimir: gordura, açúcar, barriga... Mas, do fundo de seu córtex cerebral, levando em conta o contexto histórico que você se encontrava a alguns minutos atrás, correndo sem sair do lugar... O ato de comer parece perdoável. A mão busca por uma nota no bolso quase que por impulso. Se ela encontrar... Já era.
            A cobra tem varias faces. Na academia, ela é uma maquina de doces.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Carência + Internet = Revolta?

                Não sou sociólogo, nem especialista em internet (isso tem nome? Internólogo?). Portanto, a função deste texto não é fazer nenhum tipo de afirmação acerca do tema trabalhado. Apenas buscar, superficialmente, uma visão que proponha algum tipo de reflexão simplificada sobre assuntos que demandam tanto conhecimento para serem debatidos.
                As revoltas populares que se iniciaram na Tunísia, no começo do ano, assustaram o mundo. Até porque fazia tempo que não se tinha uma noticia com tanta repercussão mundial acerca de uma manifestação popular contra um governo ditador. E, por outro lado, porque o mundo árabe já é, por si só, algo que assusta o mundo ocidental. Mas o que começou na Túnisia e logo se espalhou, a parte das condições sociais e políticas que permitiram uma onda tão grande de protestos, tem um ponto fundamental e interessantíssimo: a maneira como o acesso a internet muda tudo.
                Se é muito estranho para nós ver como o mundo árabe vive, deve ser igualmente estranho para eles verem como nós vivemos. E, por muito tempo, isto não significou grandes problemas, afinal de contas nós estávamos aqui, eles lá e o petróleo era controlado por pessoas amigáveis aos EUA. Isso era suficiente para uma co-existência, mesmo que nem sempre pacífica, mas consideravelmente separada, graças a um pensamento islâmico de oposição ao “imperialismo ocidental”. Claro que o capitalismo chegou no mundo árabe e teve enorme influencia, mas foi uma sociedade que, de modo geral, conseguiu se manter mais tradicional, em vários aspectos.
                Mas, numas questão de anos – uma década, talvez menos – isso tudo muda. Algum louco resolve interligar todos os computadores do mundo! E outro louco, resolve criar o facebook! Outro, cria o Twitter! E um grupo de estudantes nerds acaba criando o Google! E, de repente, todo o espaço entre essas duas culturas começa a se esfumar. A distância de milhares de kilômetros é viajada na velocidade da luz por bites de informação. E, de repente, em um local que se aproxima do “livre” (a internet), as duas culturas tem um espaço para se encontrar, se olhar, e não tacar uma bomba em cima da outra! Simplesmente se estranhar e tentar entender aquela coisa estranha que antes era muito longe dali. Ok, utopias a parte e sem me empolgar muito, é muito bonito pensar como a internet abre uma porta de comunicação entre culturas tão diferentes, e, reforço, mais do que apenas abrir uma porta, convidar para entrar e conhecer.
                Talvez tenha sido nesta conversa cultural, que as coisas tenham começado a mudar. Talvez uma cultura tenha muito a aprender com a outra, e uma das coisas que os árabes começaram a aprender conosco foi que, na maior parte do mundo ocidental, as ditaduras acabaram. Talvez eles nunca nem tenham pensado nisso! E talvez tenham gostado da idéia de não ter um ditador!
                E ai entra outra coisa bonita da internet: as redes sociais. Enquanto 33% do facebook só tem besteira, 33% é um diário com fotos e 33% é prostituição, sobra o 1% que nos interessa. É fácil, mais MUITO fácil, trocar idéias e combinar coisas. E quando há revolta, é muito fácil que esta revolta se espalhe! Basta dar um twitter e postar no seu mural do facebook! Você já avisou mais de 100 pessoas, que provavelmente vão se revoltar, e avisar mais 100. As pessoas começam a perceber suas carências. Do mesmo modo, elas tem em suas mãos uma poderosíssima arma de organização. Basta criar um protesto no facebook, e clicar em “convidar amigos”. Foi isto – ok, algo mais complicado, mas basicamente isto – que ocorreu na Tunísia. Uma grupo de estudantes, insatisfeitos, resolveu protestar. E eles conseguiram despertar o sentimento de indignação na sociedade. E eles foram as ruas indignados. E todo mundo ficou sabendo, e também ficou indignado. Porque as carências eram tão grandes e estavam tão a mostra, que é fácil se indignar.
                Daí surge o fato mais interessante disso tudo: o que move a população é a indignação. Não há uma corrente política teórica pronta para assumir o lugar, ou seja, a luta não é para introduzir uma democracia ocidental nem um comunismo nem nada do gênero. A luta é somente uma movimentação de uma população indignada. É algo realmente popular, que carece de heróis políticos ou mesmo guerreiros – o herói é o próprio povo. Talvez seja, realmente, o povo dizendo NÃO. Se na revolução francesa a burguesia se armava para tomar o poder e na revolução Russa os marxistas ajeitaram tudo, o que será de uma revolução movida unicamente pela indignação, pela vontade de mudar para algo melhor, por uma voz que diz “não” mas não propõe o que deve ser?!
                Batendo nas limitações conceituais sobre o mundo árabe e revoluções, basta dizer que há inúmeros caminhos possíveis para este novo tipo de revolução.
                Mas vale destacar que as mobilizações sociais não ocorrem apenas do outro lado do mundo. Aqui, no Brasil, elas começam – claro que com menos força, pois o brasileiro tem toda uma cultura ant-protestos e carências bem menores do que os árabes – mas já mostram que vieram para encher o saco dos políticos. Nunca o movimento para derrubar o aumento das tarifas de ônibus foi tão grande em São Paulo e em varias outras cidades, e tais protestos são 100% facebook. Ta tudo lá, e quem fica sabendo quase sempre fica sabendo por lá. Lembro-me também que quando os senadores se deram o aumento de 62% nos salarios, a indignação correu solta pelas paginas do facebook. Abaixo assinado virtual, frases irônicas sobre o assunto com vários “likes” do facebook, trend topic no Twitter Brasil, e por ai vai. E este movimento resultou em mobilização – uma mobilização pequena, mas que aconteceu em nível nacional. Foram diversos pequenos protestos em varias capitais, que infelizmente perderam o fôlego, mas que poderiam ter tomado outro rumo.
                Bom, fica ai uma tendência. O facebook ainda vai dar muita dor de cabeça para políticos brasileiros. Porque agora, quando o povo se indignar com as palhaçadas políticas, existem mecanismos fáceis de transformação da indignação em movimento social.
                Exagerado? Talvez. Mas não custa sonhar um pouco...

quarta-feira, 9 de março de 2011

O prédio verde

Era década de 50 em São Paulo, época em que o boom do café fazia com que a cidade sofresse constantes transformações em busca do tão falado – mas nem tão conhecido – progresso. No centro, o dinheiro grudava os tijolos que começavam a erguer os edifícios que tapavam o sol, mas prometiam prosperidade.
Dentre eles, lá próximo ao teatro municipal, começou a ser construído mais um prédio. No começo, ninguém percebeu, pois eram tantos os prédios sendo construídos que era fácil que as pessoas passassem ao lado das obras e não notassem o barulho ou a diferença da vista. Depois, conforme os 5 andares do prédio foram tomando forma, várias pessoas começaram a perceber que aquele edifício logo existiria. “Mas o que havia aqui antes?!” – perguntava um pedestre a outro, meio distraído. “Sei lá. Não consigo me lembrar. Devia haver algumas casas, só isso”. Conforme o tempo passava, o prédio ia tomando mais e mais forma, até que, 1 ano depois de começar a ser construído, ele estava pronto. Um edifício verde, de aproximadamente 5 andares, no centro de São Paulo.
Lá de cima, o prédio começou a observar as pessoas. Como estava em uma rua movimentada, podia observar o vai-e-vem infinito das pessoas – ou melhor – dos pontinhos pretos que entravam e saiam de máquinas ou se moviam com suas duas pernas. No começo, ele gostava das pessoas. Via-as andar com certa pressa – o que era totalmente desnecessário em sua opinião – mas havia muita simpatia: elas se cumprimentavam, as damas eram bem tratadas pelos cavalheiros, os bares tocavam samba aos desocupados, e as pessoas nunca conseguiam acertar aonde estava a bolinha do mágico da esquina. Ao seu lado, por algumas vezes, podia ver os humanos se divertindo em alguma peça de teatro, ouvia os aplausos e desejava poder ver a peça. Desejava também não ser o único prédio da vizinhança que percebesse aquilo tudo, e ter um amigo prédio para poder conversar.
O tempo passou, e mudanças sutis foram acontecendo. Primeiro, as máquinas foram ficando mais rápidas, de modo que as ruas, cada vez mais, ficassem perigosas para quem andava a pé e fossem cada vez mais abandonadas pelos pedestres (que passaram a amontoar-se na calçada), servindo exclusivamente aos carros. Além disso, havia uma quantidade muito maior deles agora, que crescia a cada dia. O vestuário das pessoas também mudou. Chapéus foram se rareando na medida em que a formalidade foi perdendo espaço ao confortável. Os bondes deram lugares a máquinas maiores e mais eficientes: os ônibus e trólebus. O teatro começou a ter cada vez menos peças, e sua fachada começou a se desgastar.
Mas, dentre todas as mudanças, a que mais entristeceu o prédio não foi exatamente visual. Ela estava na maneira como os pontinhos pretos se relacionavam. Elas corriam – como se parecessem de alguma forma assustadas, com medo, fugindo de algo. Não havia mais espaços para damas e cavalheiros. Não havia mais samba no bar, apenas bêbados. No lugar das formalidades, surgiam palavras novas que o prédio logo descobriu serem ofensas; palavrões. E, de repente, os pontinhos ficaram cegos. Eles conseguiam desviar dos obstáculos e andar sem bater, mas não conseguiam ver que haviam outros pontinhos a sua frente. Não haviam qualquer relação entre duas pessoas. Eles apenas andavam, todos os dias, indo e vindo, sem motivo. E o prédio não conseguia entender aquilo.
Eis que um dia, um fiscal a prefeitura começou a visitar todos os prédios da região. Ele estava coletando dados para o senso da cidade, e deveria anotar informações sobre todos os prédios.
Quando chegou ao prédio verde, não achou o interfone para falar com o porteiro ou com os moradores (aquele não parecia ser um prédio comercial). Tão pouco achou qualquer tipo de campainha – havia apenas o portão. Meio sem jeito, sem ter certeza do que fazer, consultou os dados que tinha sobre os prédios da região – mas aquele prédio não constava. Ele não existia nos registros da cidade. Tocou no portão de ferro, e este se abriu com facilidade. O homem entrou, com medo de estar invadindo, mas determinado a fazer o seu serviço. Andou cruzando o pequeno e bem cuidado jardim – coisa rara no centro – e subiu a escada em direção ao salão do prédio.
Ao entrar, se sentiu de volta aos anos 60. Se tratava de uma grande sala de estar, cheia de sofás e poltronas velhas (mas tão bem conservadas, que pareciam novos), estantes e mesas de centro, e lustres com velas acessas. Era uma sala muito aconchegante e muito bem iluminada. Um enorme carpete verde – muito bonito, cheio de rendas – tomava o centro da sala. Entretanto, não havia ninguém. Tão pouco havia qualquer escada ou elevador que levasse ao resto do prédio. Havia apenas aquilo: uma grande e bonita sala de estar dos anos 60, muito bem cuidada, mas sem ninguém que estivesse cuidando ou tomando conta.
 O fiscal saiu, anotando esta estranha informação em seu relatório. Quando entregou-o a seu superior, este estranhou tanto quanto o primeiro, e entregou a seu superior. Isto se repetiu na hierarquia no mínimo umas 4 vezes, até que o relato do tal prédio chegou as mãos do secretário de urbanismo da subprefeitura da Sé. Ele determinou que se encontrassem os donos do prédio – mas foi impossível, nada constava nos arquivos. Determinou que encontrassem a construtora responsável para perguntar sobre o dono – mas não havia qualquer registro dentro ou fora do prédio. Pediu para que fosse realizada uma pesquisa na vizinha acerca do prédio, perguntando para as pessoas se já haviam visto alguém entrando ali. Mas, ao invés de responder as perguntas, as pessoas que passavam ali diariamente olhavam para o prédio com cara de espanto. “Sabe que eu nunca reparei neste prédio?” era a resposta mais comum. A pesquisa não teve uma única resposta sequer.
Sem ter mais mecanismos para descobrir a identidade do prédio, o secretário afirmou que, se aquele prédio não tinha dono, não tinha acesso aos andares superiores (se é que tinha andares superiores), e não tinha regulamentação, ele estava fora de lei. Desta forma, não importava qual era o dono, ele deveria ser demolido.
No processo judicial, escreveu a seguinte explicação para o pedido: “O edifício em questão não exerce nenhuma função, não tendo sequer acesso aos seus andares. Não foi possível entender sua existência, e deve ser demolido por esta razão.
O processo foi aceito, e o edifício foi morto. Sem nem saber porque as pessoas haviam ficado cegas.

segunda-feira, 7 de março de 2011

E então, é carnaval

“Ter orgulho de ser brasileiro” – a gente já esta de certa forma acostumado com esta frase, que já virou um jargão popular, repetido sem pensar por inúmeras cabeças brasileiras. Esse nacionalismo estranho é uma criação da cultura e da história, esta noção de que o Brasil é aquela terra linda e maravilhosa que surpreendeu os europeus com sua beleza exuberante quando eles chegaram aqui. Terra de gente boa que eram os índios, e de infinitas riquezas naturais guardadas na Amazônia.
            Mas é bem verdade que, ultimamente, não é fácil assim achar motivos para empregar a tal frase. Do que temos orgulho no Brasil? Poucas coisas. Temos a Amazônia (pelo menos boa parte dela, acho eu); temos a tal cidade maravilhosa (que, todos sabemos, tem la seus defeitos); temos a alegria do povo brasileiro (que nem é la tão alegre); temos a seleção (que já não faz tantos gols assim); e temos o carnaval.
            Ah, o carnaval. Sábado, domingo, segunda, terça e quarta até o meio dia. Cinco dias de festa e alegria, que dão orgulho por ser a maior festa popular do mundo. Não se vê em nenhum outro lugar tantos blocos saindo as ruas com tantos foliões seguindo, cantando, dançando, bebendo e mijando na rua . Em Olinda, tem boneco gigante; em São Paulo e o no Rio, desfile com enormes carros alegóricos; na Bahia, trios elétricos famosos. O país pára, tudo fecha.
            É uma festa para afogar as mágoas, esquecer a tristeza, se vestir de palhaço e cair na folia. Pra fingir que ta tudo bem e que o importante é ser feliz acima de tudo. Não que seja verdade, certo? Mas não é o objetivo aqui escrever que o carnaval é falso ou que é cultura inútil, como muitos dizem. Nem para lembrar pro brasileiro que, passadas as 12h de quarta feira, tudo volta ao normal. Nem pra argumentar que a ideologia do carnaval é dizer que não importa seus problemas, é só ir pra folia que tudo vai se resolver. Muito pelo contrário. Enquanto vejo Salgueiro desfilar, depois de me encantar com o medo de Unidos da Tijuca ontem, resolvo entrar na brincadeira. E um lado mais irracional, aqueles que a gente gosta de reprimir mas nem sempre consegue, insiste em repetir para mim: “ah, até que eu tenho orgulho de ser brasileiro”.
            E embora eu saiba que isto é uma construção da história e da cultura, e que nem o carnaval, nem o futebol, nem a Amazônia e nem o rio de janeiro são motivos de orgulho por ser brasileiro, hoje tudo isto não importa. Hoje, o cristo esta abençoando a cidade e os turistas que se esbaldam com o samba. A alegria do brasileiro está na rua, durante a noite toda, desfilando na Sapucaí e nas milhares de ruas e avenidas que mais pareçem o sambódromo.
            Na quarta feira de cinzas, entre a tristeza de voltar a ter obrigações e a pressa do dia a dia, voltarei a me preocupar com transporte publico ou com a Líbia. Hoje, não.