Recentemente, este blog passou de um simples espaço para tentar problematizar o cotidiano – através dos meus textos e dos comentários que as pessoas (não)fazem – e tornou-se também meu projeto de redação.
Funciona assim: eu escrevo como já escrevia antes, por vontade e risco próprio, e, depois de publicar no blog, imprimo uma cópia e levo para minhas aulas de redação de quarta feira, aonde coloco-as em uma pequena pasta (de que cor será? Não me lembro) aonde formam um conjunto. Na semana seguinte, na mesma pasta, as folhas voltam corrigidas e com nota.
Se eu fosse uma criança eu acharia até que a pasta é mágica. Basta deixar a folha ali, que, quando ninguém estiver vendo – tal com era o papai Noel antes desta mania de se vestir do velinho começou – a mágica acontece sem ninguém ver, e a redação está logo corrigida. Pois bem: criança não sou mais, e tenho plena possibilidade de usar minha super capacidade de pensamento cognitivo (adoro esta palavra, meu professor de história que usou outro dia) para concluir empiricamente que as folhas não se corrigem por mágica. Tão pouco existe um duende corretor, como aquelas que roubam nossas meias e tampinhas de caneta BIC. Trata-se de uma pessoa com a mesma capacidade de pensamento cognitivo que eu. E, se até o ano passado essa pessoa era o meu então conhecido professor de redação, este ano – por influencia do temido vestibular – tudo mudou. Agora, esta sequencia de textos que aqui escrevo terá o privilégio de ser lida, analisada e adaptada ao português gramaticalmente correto por uma corretora, de nome Áurea.
Não é louco pensar nisto? Estou escrevendo para uma mulher, cuja o nome eu descobri por acaso recentemente, e ela irá ler e corrigir.
Como será ela? Ela deve usar óculos. Não deve? Sei lá, sempre que me vem na cabeça a figura de alguém mais culto com a língua portuguesa está pessoa esta usando óculos. É um ícone: acho que eu mesmo, se fosse passar boa parte de minha vida lendo e corrigindo textos, usaria um óculos, ainda que de mentirinha, mas para criar o estilo. Mas, pensando bem, nós vivemos na era do politicamente correto, e talvez eu tenha cometido uma gafe acima. Será que qualquer dia desses, depois do texto ser lido pela Áurea, tocara minha campainha a Associação dos Usuários de Óculos (AUO) ou a Associação dos Corretores Sem Óculos (ACSO)? Ambas podem se enfurecer bastante com meus comentários preconceituosos a cerca da necessidade do uso do óculos como iconografia de alguém culto na língua portuguesa.
Mas... deixemos isto de lado, antes de criar mais polêmica sobre o assunto. Voltemos a figura que, daqui a quatro dias (ou a 3 anos atrás, dependendo do lugar que você, leitor, ocupa no tempo) vai corrigir meu texto. Onde será que ela mora? Não deve ser muito longe: São Paulo é gigante, mais a São Paulo dos privilegiados tem uns 10 bairros no máximo. Cara, já pensou se ela é minha vizinha? Se é aquela moça chata do condomínio (que usa óculos), que eu sempre arranjo briga? Isto pode trazer conseqüências em minhas notas caso ela descubra o meu verdadeiro eu. Por segurança, melhor eu fazer as pazes com todas as moças do condomínio. Vai que é, né?
Mas sabe o que é mais estranho? Mais metafísico? Mais pirado ainda? É pensar que ela vai estar corrigindo um texto que fala dela mesma – ou melhor – fala de uma imagem dela.
Ok, talvez as pessoas não acompanhem meu entusiasmo com este fenômeno. Mas ainda assim é bem maluco pensar que um dos meus temas de redação seja a figura abstrata da mulher chamada Áurea que vai ter de corrigir uma redação sobre ela própria feita por um moleque que ela não conhece e que criou uma imagem preconceituosa (ou não) dós óculos que ela deve usar porque é culta em língua portuguesa e se quer teve criatividade para imaginar o resto de sua cara ou de seu corpo, atendo-se apenas aos óculos. Xii, será que ela vai entender o sentido deste parágrafo quase sem virgulas?
Mas, se ela esta lendo isto, talvez fosse educado eu dizer oi... Certo?
Então... Oi! Tudo bom? Você usa óculos?
Cara, o que será que ela vai responder? Será que vai responder? Ou ira se prender a sua função de somente corrigir? Gostaria muito de saber se ela usa óculos.
Queria poder colocar a resposta aqui, caso houvesse, ou anunciar a ausência de uma. Mas, como meu espaço no tempo não permite isso, fica para a próxima.
Boa noite/tarde/dia Áurea! (que horas será que ela corrige? Eu ia chutar a noite, mas vai que amanha me aparece a Associação em Defesa aos Corretores Diurnos na porta do meu apartamento!...)