segunda-feira, 30 de maio de 2011

Áurea


                Recentemente, este blog passou de um simples espaço para tentar problematizar o cotidiano – através dos meus textos e dos comentários que as pessoas (não)fazem – e tornou-se também meu projeto de redação.
                Funciona assim: eu escrevo como já escrevia antes, por vontade e risco próprio, e, depois de publicar no blog, imprimo uma cópia e levo para minhas aulas de redação de quarta feira, aonde coloco-as em uma pequena pasta (de que cor será? Não me lembro) aonde formam um conjunto. Na semana seguinte, na mesma pasta, as folhas voltam corrigidas e com nota.
                Se eu fosse uma criança eu acharia até que a pasta é mágica. Basta deixar a folha ali, que, quando ninguém estiver vendo – tal com era o papai Noel antes desta mania de se vestir do velinho começou – a mágica acontece sem ninguém ver, e a redação está logo corrigida. Pois bem: criança não sou mais, e tenho plena possibilidade de usar minha super capacidade de pensamento cognitivo (adoro esta palavra, meu professor de história que usou outro dia) para concluir empiricamente que as folhas não se corrigem por mágica. Tão pouco existe um duende corretor, como aquelas que roubam nossas meias e tampinhas de caneta BIC. Trata-se de uma pessoa com a mesma capacidade de pensamento cognitivo que eu. E, se até o ano passado essa pessoa era o meu então conhecido professor de redação, este ano – por influencia do temido vestibular – tudo mudou. Agora, esta sequencia de textos que aqui escrevo terá o privilégio de ser lida, analisada e adaptada ao português gramaticalmente correto por uma corretora, de nome Áurea.
                Não é louco pensar nisto? Estou escrevendo para uma mulher, cuja o nome eu descobri por acaso recentemente, e ela irá ler e corrigir.
                Como será ela? Ela deve usar óculos. Não deve? Sei lá, sempre que me vem na cabeça a figura de alguém mais culto com a língua portuguesa está pessoa esta usando óculos. É um ícone: acho que eu mesmo, se fosse passar boa parte de minha vida lendo e corrigindo textos, usaria um óculos, ainda que de mentirinha, mas para criar o estilo. Mas, pensando bem, nós vivemos na era do politicamente correto, e talvez eu tenha cometido uma gafe acima. Será que qualquer dia desses, depois do texto ser lido pela Áurea, tocara minha campainha a Associação dos Usuários de Óculos (AUO) ou a Associação dos Corretores Sem Óculos (ACSO)? Ambas podem se enfurecer bastante com meus comentários preconceituosos a cerca da necessidade do uso do óculos como iconografia de alguém culto na língua portuguesa.
                Mas... deixemos isto de lado, antes de criar mais polêmica sobre o assunto. Voltemos a figura que, daqui a quatro dias (ou a 3 anos atrás, dependendo do lugar que você, leitor, ocupa no tempo) vai corrigir meu texto. Onde será que ela mora? Não deve ser muito longe: São Paulo é gigante, mais a São Paulo dos privilegiados tem uns 10 bairros no máximo. Cara, já pensou se ela é minha vizinha? Se é aquela moça chata do condomínio (que usa óculos), que eu sempre arranjo briga? Isto pode trazer conseqüências em minhas notas caso ela descubra o meu verdadeiro eu. Por segurança, melhor eu fazer as pazes com todas as moças do condomínio. Vai que é, né?
                Mas sabe o que é mais estranho? Mais metafísico? Mais pirado ainda? É pensar que ela vai estar corrigindo um texto que fala dela mesma – ou melhor – fala de uma imagem dela.
                Ok, talvez as pessoas não acompanhem meu entusiasmo com este fenômeno. Mas ainda assim é bem maluco pensar que um dos meus temas de redação seja a figura abstrata da mulher chamada Áurea que vai ter de corrigir uma redação sobre ela própria feita por um moleque que ela não conhece e que criou uma imagem preconceituosa (ou não) dós óculos que ela deve usar porque é culta em língua portuguesa e se quer teve criatividade para imaginar o resto de sua cara ou de seu corpo, atendo-se apenas aos óculos. Xii, será que ela vai entender o sentido deste parágrafo quase sem virgulas?
                Mas, se ela esta lendo isto, talvez fosse educado eu dizer oi... Certo?
                Então... Oi! Tudo bom? Você usa óculos?
                Cara, o que será que ela vai responder? Será que vai responder? Ou ira se prender a sua função de somente corrigir? Gostaria muito de saber se ela usa óculos.
                Queria poder colocar a resposta aqui, caso houvesse, ou anunciar a ausência de uma. Mas, como meu espaço no tempo não permite isso, fica para a próxima.
                Boa noite/tarde/dia Áurea! (que horas será que ela corrige? Eu ia chutar a noite, mas vai que amanha me aparece a Associação em Defesa aos Corretores Diurnos na porta do meu apartamento!...)

domingo, 29 de maio de 2011

Algo esta mudando, ou eu estou sonhando.

                Era 1992, e centenas de milhares de estudantes tomara a avenida paulista, com suas caras pintadas, com uma única exigência: Fora Collor!. E o Collor se foi.
                Vai fazer 20 anos desde que a ultima grande manifestação estudantil tomou forma em São Paulo. Desde então, houveram cada vez menos grande manifestações na paulista, e o movimento estudantil parecia entrar definitivamente em decadência. Eu vivo esta época, em que protesto e manifestação significa, para o paulistano, transito e maconheiros sem vergonha.
                Mas algo esta mudando. No começo deste ano, um grupo de estudantes tomou as ruas por 13 vezes. Centenas de milhares de estudantes? Longe disso: apenas 2mil por passeata, em média, chamando o povo para ir as ruas contra o aumento absurdo da tarifa de ônibus. Depois de 10 quintas feiras seguidas de manifestação, o movimento se apagou, sem sucesso.
                Ao mesmo tempo, no começo do ano, um movimento nacional ameaçou surgir contra o abusivo aumento salarial dos parlamentares, de quase 70%. A faísca se apagou depois de levar algumas poucas centenas de estudantes as ruas em 5 capitais diferentes do Brasil simultaneamente.
                No M’boi mirim, aonde a carência do transporte urbano desta cidade atinge um pico, já foram no mínimo 3 manifestações diferentes levando reivindicações à sub-prefeitura.
                Chegamos ao presente mês, maio, quando vimos uma mudança do local do metrô Higienópolis causar um churrasco de gente “diferenciada” no centro de um bairro de elite; e, quase em seguida, a violenta repressão a Marcha da Maconha (um absurdo ridículo) dar luz a Marcha da Liberdade, que ocorreu no último sábado, com algo entre 2mil e 5mil presentes.
                É impressão minha, ou parece que algo esta mudando?
                Estamos longe, MUITO longe de chegar aos 100mil estudantes de cara pintada que tomaram a Paulista. A verdade é que era uma outra época, com uma outra cultura, com uma outra mentalidade, com uma outra juventude – a juventude que, hoje, parece ter chegado a vida adulta e se esquecido de como se manifestar. Mas neste ano, os políticos, principalmente nosso ilustríssimo prefeito Kassab, devem ter coçado a cuca e começado a se perguntar: que diabos esta acontecendo?  Porque estas pessoas estão vindo encher meu saco?
                Sem dúvida, parte da culpa é da internet. Ou melhor, dando nome aos bois: boa parte da culpa é do facebook. Já tratei deste assunto aqui em outro texto, enquanto comentava a revolta Egípcia, e volto a repetir: esta ferramenta deixou incrivelmente fácil marcar uma manifestação. Panfletos que nada: basta criar um evento e convidar todos seus 1000 amigos, que vão chamar mais 100 amigos cada, e o efeito cascata esta feito.O estrago esta feito: nada vai cancelar este protesto. Este efeito é tão assustador que apavorou até mesmo o criador do churrascão de gente diferenciada, que ao ver o tamanho que a coisa tomou arreou o pé.
                As manifestações, que cada vez mais vem tomando a mídia e, consequentemente, atraindo mais gente, estão se tornando cada vez maiores e mais freqüentes.
                Elas continuam restritas a uma relativamente pequena parte desta elite mais intelectualizada, que forma a grande parte dos manifestantes (ou, como preferem chamar os conservadores, bando de maconheiros sem ter o que fazer). E é por isto que as reivindicações ainda levam pouca gente para as ruas. Mas os policias estão tendo cada vez mais trabalho em reprimir, digo, proteger as manifestações.
                É cara, os políticos que se cuidem. Porque quando a reivindicação for por alguma causa mai ampla – alguma carência maior que se estenda mais profundamente na sociedade – vai ser como ascender a ponta de um fio ligado a diversos barris de pólvora. Porque quando a massa estudantil perceber como é bom estar em um grupo, nas ruas, com uma revindicação justa nas mãos, vai ser difícil segurar.
                Será sonho meu? 

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A hierarquia

Lily era ema cadela golden retriver. Vivia no bairro de Higienópolis, bairro chique da elite paulistana, muito embora ela mesma não soubesse disto – sabia ela apenas que aquele portão alto, com um cheiro muito peculiar que misturava ferro, um outro pigmento qualquer e, claro, o seu cheiro, era o lugar que os humanos chamavam de “casa”. Quando sentia o cheiro de algum outro cachorro, Lily sentia-se brava, e logo recuperava o espaço perdido.
                Sabia ela também que o cheiro de vários adolescentes e suas mochilas, que estudavam ao lado; daquela grande arvore que cheirava bem e, as vezes, derrubava uma fruta perto dela; dos porteiros que estavam sempre ali na entrada e abriam o portão para ela; todos aqueles cheiros formavam sua rua. Tinha ainda os cheiros que Lily não gostava, como o do bueiro (claro que Lily não fazia idéia que aquilo era um bueiro).
                Mas Lily era muito astuta. Ela conseguia se lembrar de todos os cachorros que moravam ali perto dela pelo cheiro. E sempre que percebia a aproximação de um deles, ela logo começava a balançar o rabo. Queria cheirar, brincar, conhecer, ver, latir, pular, perseguir e balançar seu rabo junto com o outro cão. Ela pulava freneticamente, impulsionando seu corpo para frente, mas era barrada por um fio que Lily odiava e que segurava seu peito. Era um fio que sua Dona prendia nela sempre que iam passear. Pouco sabia ela que aquele fio chamava coleira.
                Lily não sabia, nem poderia com sua percepção de cão, mas para os humanos sua Dona tinha classe social, etnia, e sobrenome conhecido. Dona Alda, como era conhecida – e Lily sabia disso vagamente, já que suas experiências haviam conectado o nome a pessoa – era um dama herdeira – muito endinheirada e vivendo de renda. De humanos, Lily também conhecia Antônio, que era o porteiro do prédio, João, que era o sobrinho de Alda e estudava ao lado, o Zé, que era um cara da padaria que fazia carinho nela, e alguns outros. De cachorro, Lily conhecia um com cheiro engraçado, outro com cheiro forte, um outro que era meio doce. Todos era do tamanho de Lily, e da mesma raça.
                Claro que ela não sabia da parte do sobrinho, da padaria, do porteiro. Ela conhecia apenas os cheiros.
                Mas, enquanto passeava, Lily passava por um outro ser. Ela sabia que não era um cachorro, não cheirava como um. Mas, mesmo com sua visão preto e branco, que transforma o mundo em borrões de cinza com contornos, Lily sabia que ele não era humano. Talvez algo de seu cheiro fosse semelhante – e isso por muito tempo a enganou – mas agora ela tinha certeza, pois nenhum humano era daquele jeito – ficava apenas deitado ou sentado na rua.
Seu cheiro era forte, e Lily desejava que ele fosse ao pet shop tomar um banho, como ela fazia, para depois ser escovada, e sair dali com uma fitinha presa na cabeça. As vezes, ela ganhava até uma massagem! Mas ela sabia que, se aquilo não era um cachorro, ele não poderia ir num pet shop. Apenas cachorros como Lily podiam fazer isto. Pet shop para aquele ser estava completamente fora de questão; fora de alcance.
Mas Lily desejava que ele tivesse uma Dona como a dela, que lhe desse colo, comida, um lugar quentinho para dormir, visitas ao pet shop, e biscoitos quando ela merecia. Porque será que ninguém queria aquilo? Lily não sabia. Mas também não importava: ela destinava 5seg de sua atenção para a figura ali no chão, para então continuar sua caminhada. No caminho, se chorasse bastante, talvez ainda conseguisse que sua dona a comprasse um pão de queijo quentinho da padaria. E como ela gostava de pão de queijo.
E Lily podia não saber que aquilo chamava pão de queijo, e que o lugar chamava padaria, e que o bairro chamava Higienópolis. Podia também não saber que aquela figura chamava-se mendigo. Não sabia, alias, que todas as figuras semelhantes levavam este mesmo nome. Mas Lily era muito astuta, e até ela – sem contar com a incrível capacidade de pensamento cognitivo dos humanos – percebia o óbvio: ela, enquanto cadela da Dona Alda, era muito mais importante e superior a aquele ser deitado no chão, ao qual ninguém dava comida e banho.
Lily foi dormir cheirosa e contente.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A hipocrisia refletida no espelho

Peço desculpas para aqueles que não estudam no Equipe, pois este é um texto que talvez não faça sentido sem o contexto do cotidiano da escola.  Obrigado.




Darwin foi um genio. Ele descobriu a palavra chave para desafiar a religião e a ciência da época e buscar uma explicação inesgotavelmente plausível para a evolução dos seres humanos: diversidade.
                A diversidade é uma coisa engraçada. Ela da conta de que, dentro de uma mesma espécie, possam haver diversas diferentes entre eles. Não é genial? Os seres são iguais mas... Ao mesmo tempo, são diferentes!
                Até desenvolvermos a capacidade do pensamento cognitivo, isto não era problema. A diversidade era fundamental para garantir a seleção natural e, assim, a continuidade da espécie.
                Mas nós chegamos ao ser humano que somos hoje. Pensamos, criamos, matematizamos. Nossas mentes evoluídas são capazes de coisas incríveis. Aí, a diversidade mudou de característica. A seleção natural, se ainda tem efeito sobre os seres humanos civilizados, não dita mais todas as regras como antigamente. A diversidade criou um novo problema: o preconceito, o segregacionismo.
                Mas nós somos seres incríveis. Depois de anos de servidão; escravidão; massacres étnicos e duas guerras mundiais, a humanidade (mesmo pelos motivos errados, e mesmo que não como um todo – bem longe disto) começou a falar uma nova palavra: respeito. Foi uma evolução incrível: descobrimos que, no fundo, a ciência afirma que somos todos iguais e que talvez seja possível vivermos em sociedade juntos. Não precisamos nos amar, apenas respeitar.
                Essa é a palavra chave. Respeito.
                Há diversidade em todo lugar. E não é diversidade física, mas principalmente diversidades ideológicas; diferentes maneiras de pensar e agir. A capacidade de pensamento cognitivo trás consigo este problema: nem todos pensam igual. Problema? Na verdade, uma benção.
                Mas, cada vez mais, o colégio equipe me surpreende. Surpreende porque, quando minha classe foi viajar para Cubatão, estávamos falando sobre conceitos de Agnes Heller, uma filosofa que discutia muito sobre o cotidiano. E, lembro-me muito bem, quando eu estava em uma das grandes plenárias em que discutíamos estas questões, relacionadas com toda a desumanização e a falta de respeito que havíamos visto em Cubatão, eu olhei para trás e fiquei assustadoramente emocionado.
                Porque não foi o discurso dos trabalhadores contaminados que me emocionou. Tão pouco os discursos sindicalistas de luta de classe. Tão pouco Agnes Heller. O que me emocionou foi olhar para trás e olhar aquele bando de pessoas, cerca de 70, todas concentradas e reunidas ali em um único objetivo; discutir tudo isto. Refletir, pensar, discutir. Tomar consciência de sua própria alienação. Foi um daqueles momentos que, depois de ter certeza de que o mundo é uma bosta, você percebe que ali do seu lado estão 60 mentes em formação que pararam e se concentraram para discutir estas questões. E você pensa que, enquanto estes momentos existirem, talvez o mundo ainda possa ser um lugar melhor. E lá, tenho certeza, todos entendiam muito bem o que é respeito.
                Passado o momento, a volta para São Paulo trousse de volta o cotidiano. E o que fazemos com toda aquela reflexão, discussão, percepção que havíamos feito e construído? Guardamos para a próximo momento de discussão. Ali, no cotidiano, na escola, aquilo tudo vira lixo. Lixo inútil, sem sentido.
                Nós, 3º anistas, inclusive eu, temos SÉRIOS problemas de respeito. Não conseguimos respeitar os professores, que se esforçam para dar aula e, algumas vezes, não conseguem. Não conseguimos respeitar o trabalhador, que depois de toda a aula, é obrigado a limpar as carteiras que sujamos, o lixo que produzimos, e ainda limpar desenho de maconha do banheiro e da parede. Não conseguimos respeitar a escola, pois a maioria das situações propostas por ela são má vistas logo de cara. Não conseguimos respeitar todo o colégio, quando depreciamos o espaço público da escola com pixações e todo outro tipo de depreciamento. Não conseguimos respeitar o colega ao lado, quando fazemos barulho nas aulas, quando trocamos ofensas idiotas, quando fazemos piada de situações inapropriadas; quando não damos ouvido a alguém, quando queremos apenas procurar culpados sem sequer olhar no espelho e se desculpar. Não conseguimos respeitar todos os alunos quando furamos a fila da cantina. Não conseguimos respeitar as outras séries quando jogamos interclasses e entramos pra quebrar. Não conseguimos respeitar o segundo ano por algum tempo, com todo o rolo da festa. Em nosso cotidiano, o desrespeito parece assustadoramente normal, e esta palavra já foi invocada no mínimo por três professores..
                Isso é regresso. É involução. Não adianta ser consciente somente nas viagens de campo e aulas de filosofia. Tenho medo de usar esta palavra, mas para mim nós vivemos o cúmulo da hipocrisia.
                Outro dia, quando me recusei a ajudar alguém a furar a fila da cantina, fui chamado de moralista.
                Chamem-me do que quiser. Mas insisto: as relações construídas em nossa classe cheiram a hipocrisia, alienação, e em seu caráter mais puro, idiotice e egocentrismo.
                Respeitar é preciso.

Desabafei.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Cadê o chão, a parede, as pilastras?

                “Tudo o que é solido se esfuma no ar”. Anos depois que esta frase foi escrita e publicada dentro do manifesto comunista, o meio acadêmico e intelectual começou a perceber o quanto ela significava. É a frase que caracteriza a modernidade, a nova sociedade que nasce pós-revoluções e pós segunda guerra.
                Todas as regras que moviam a sociedade, toda a base na qual as regras estavam pautadas, assim como os pilares que sustentavam estas bases mudam e se modificam. Surgem novas maneiras de alienação social, surge uma nova forma de produção, surge um capitalismo expansionista que conquista o mundo com a facilidade que um pastor alemão se livra de um pincher.
                Não é preciso ir longe para vermos isto tudo. Basta olhar para a sociedade brasileira. Basta olhar para sua casa, ou a casa dos seus amigos.
                O senso do IBGE revelou um dado brasileiro que caracteriza esta fase de transição que vivemos – e que é característica da modernidade –, e que dela traçaremos um caminho. O fato é que o Brasil, em se tratando de matrimônios, bateu 2 recordes opostos: ocorreu tanto o recorde de casamentos quanto o recorde de divórcios. Nunca antes tantas pessoas se casaram; nunca antes tantas pessoas se separaram.
                Como pode dados opostos subirem juntos? Não seriam eles inversamente proporcionais? Alguns podem alegar que é meio obvio: se há mais casamentos, há mais divórcios, pois mais gente esta casada. Mas se pegarmos o numero de divórcios por 1000 casados hoje, ele será muito maior do que antigamente.
                E nem precisava de IBGE para saber disso. Pegue um adolescente de classe média de hoje em dia. 50% de chance dele ter pais separados (pelo menos essa é a estatística de minha classe).
                Afinal de contas, o que representa o casamento? O que representa a família? Historicamente, aceita-se o casamento como um pacto social que misturava as famílias criando assim diversidade e alianças, pactos. Isto se mostra, por exemplo, nos casamentos de príncipes e princesas entre os diferentes reinos, na época medieval, que era uma maneira de aumentar o poderio de uma família ao misturar duas famílias reais. Posteriormente, o casamento tomou o lugar religioso: é o sagrado matrimônio do catolicismo, que constitui a base da sociedade: a família.
                Mas, de repente, chega a modernidade. Tudo o que é solido se esfuma no ar. A religião, de repente, começa a perder espaço para a ciência, o consumo, entre outras formas de alienação. Os ideais, princípios, as morais religiosas começam a perder força. Ainda presentes na sociedade, elas têm suas maiores bases em gerações mais velhas, e segue a tendência de diminuir cada vez mais. O discurso religioso perde força; as aulas de catolicismo começam a esvaziar; os jovens cada vez mais preferem render-se a sociedade do espetáculo, que promete orgasmos a toda hora, do que aceitar o “velho e chato” discurso religioso. O conservadorismo da Igreja, talvez, ache dificuldades em acompanhar a história.
                Vivemos o início do vácuo, ou talvez o inicio de sua intensificação. O que tomará o lugar da Igreja? Se o consumo e o espetáculo oferecem soluções para muitos problemas, eles não podem tomar ocupar todo o vacuo: faltam neles princípios, morais, objetivos. Falta algo que de significado a vida e que de rumo a nossas ações. Por mais que todos se rendam ao imperativo do gozo – consuma, goze, consuma mais, goze mais, consuma consuma consuma consuma cosumaaaaaaaa – os recordes em venda de antidepressivos e a grande valorização e demanda por psicólogos mostra que não adianta só consumir. Em uma sociedade contraditória no mendigo de cada esquina, falta algo que signifique o consumo e a vida.
                É desse vácuo que se origina a contradição dos números de casamentos e divórcios. As pessoas ainda se casam: acreditam no amor, acreditam na família, e tem ainda algum resquício da moral da Igreja. Mas o casamento é a certeza da entrada na vida adulta – em uma sociedade que privilegia o adolescente e a juventude como ícones. O negócio é ser jovem, livre, cair na balada, se alienar com música, ecstasy, maconha, jogos, e tudo o mais que nos distrair deste mundo e nos fizer gozar. E, ao ter este imperativo repetido inúmeras vezes, as bases do casamento se rompem – não existem mais as bases que o sustentavam – elas se esfumaçaram, desapareceram no ar.
                Você tem visto TV ultimamente? Percebe o numero de propagandas que mostram a traição dentro do casamento como algo natural, e pior, engraçado? É o cara que liga pra mulher e sem querer fala que vai na balada; é o marido que chega em casa e não vê os 10 amantes da mulher fugindo. Tudo isto já está aceito no meio social: esperta é a mulher que da pra 10 caras ao mesmo tempo, e idiota é o marido que segue o casamento sem trair. Esperto é o cara que cai na balada quando a mulher não tá. E olha que engraçado, haha, sem querer ele falou pra ela no telefone! >.<
                Ok, fui pretensioso e egocêntrico durante todo o texto. Adimito isto. Mas existe, nesta construção que fiz acima, discussões e teorias interessantes, que merecem ser percebidas, discutidas e pensadas por cada um, e não apenas pelos filósofos que falam com palavras complicadas nos livros acadêmicos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

De volta a São Paulo

                Você já, algum dia, voltou para sua casa – aquela mesma casa que você viveu os mais recentes anos de sua vida – e sentiu que algo estava fora do lugar? Aí você olha para os móveis, e percebe que eles estão todos onde deveriam estar. E o mesmo acontece com os quadros, os eletrodomésticos, as plantas, as janelas, as cortinas, os livros, os pratos, os copos e os talheres. Tudo esta exatamente onde sempre esteve e onde deveria estar – ao mesmo tempo, você tem certeza que algo esta fora do lugar. E te da uma certa angustia de que você nunca vai descobrir o que está errado.
                Bom, claro que não estou falando de minha casa. É apenas uma metáfora. Falo da vida.
                Sinceramente, nunca foi minha vontade fazer deste blog (que recentemente virou um projeto de redação, valendo nota e tudo) algum tipo de diário adolescente, aonde eu contaria todas as minhas crises pessoais com textos poéticos e metafóricos, falando do amor, da solidão, da angustia de crescer e de melancolias próprias. Longe disto. Acho isto um clichê que fica, para quem lê, entediante. Não, a idéia deste blog é outra: expor textos com comentários, discussões, hipóteses, análises sobre os mais diversos assuntos cotidianos para que estes – que passam desapercebidos no dia-a-dia ou apenas repetidos pelos discursos prontos– ganhem um pouco de reflexão. Pois é no cotidiano que vive o homem, e nele que nós devemos concentrar nossos esforços para uma vida e – quem sabe – até um mundo melhor. Pensar o cotidiano é, de alguma forma, criticar a si mesmo e buscar mudar. Mas é muita prepotência querer isto de um blog que quase ninguém lê, certo? Concordo plenamente. Mas eu tinha que começar de algum lugar!
                Enfim, tudo isto para dizer que este texto vai sair um pouco desta temática. Não sei bem porque – afinal de contas, eu podia simplesmente não escrevê-lo, certo? Mas, a lá Diário Adolescente, vou apelar para algumas metáforas, como aquela que você leu la em cima, para contar uma crise que talvez não tenha o menor significado para alguém que não eu.
                Toda esta crise começou quando descobri que iria viajar com minha escola para um acampamento juvenil. Os protagonistas da viajem eram os alunos de 6º a 9º ano, mas eu e outros 7 alunos do terceiro ano iríamos com o papel de monitor – auxiliares dos professores e dos monitores do acampamento. É aquele tipo de coisa que, no começo, eu nem dei muita bola. Mas, conforme foi chegando perto da data comecei a ficar ansioso. E, depois de passar a Páscoa com uma virose bem chata, chegou a data. Ela chegou meio no susto assim – quando me dei conta, tinha que arrumar a mala para partir no dia seguinte, logo depois das aulas. E foi assim, no susto, que eu viajei.
                A ida foi nervosa – eu não conhecia praticamente nenhum garoto. Fiquei andando no corredor do ônibus, já que não havia lugar vago para eu sentar, olhando aqueles meninos e meninas contando piadas e rindo de bobeiras, enquanto conversava com a outra monitora, que também não conhecia quase ninguém. Então nos chegamos, uma viajem curta de umas duas horas.
                Não sei exatamente quando aconteceu o que. Só se que, na noite do primeiro dia, eu me pegava conversando com os meninos do meu chalé, buscando desenfreadamente seus nomes em minha memória que se esforçava para assimilar 50 rostos. E, quando acordei no dia seguinte, percebi que eles eram demais. Passei a adorar os momentos que ficávamos no chalé, conversávamos na mesa do almoço ou jogávamos algum dos vários jogos que foram propostos. Porque, apesar de ser monitor, eu participava de quase tudo como uma criança. Mergulhei rápido naquela rotina que duraria apenas 3 dias, e me empolguei com aquelas pessoas que há algum tempo dividiam a mesma sala comigo – mas que eu nunca tive a chance de conhecer. Não é louco que você não faça idéia da pessoa que, quinze minutos depois de você sair, entra na sua sala e começa a usar as mesmas carteiras? Conheci moleques simplesmente demais e me lembrei do meu tempo de criança.
                Mas então, tão de repente quanto começou, acabou. Porque 3 dias é muito quando você é criança ou pré adolescente, ou pelo menos é o que parece em minhas memórias. Mas, agora, 3 dias parecem nada. Passaram voando e, quando me dei conta, conversava com os meninos no ônibus de volta preso no transito da Teodoro Sampaio. E, quando me despedi rapidamente das crianças e entrei no carro indo para casa, fiquei triste.
                Não sei bem do que eu sinto falta. Talvez seja das pessoas mesmo, pois gostei muito delas. Ou talvez seja daquele clima de montanha, que não tem nada haver com São Paulo. Ou quem sabe a falta de responsabilidade que senti quando voltei a ser criança por 3 dias. Ou tudo isto. Mas, parado no sinal vermelho, senti um desespero. Não havia mais montanha, jogos, nem as crianças que surgiram e desapareceram de repente. Acho que eu tinha esquecido de como era São Paulo, e me lembrar me derrubou como um soco no estomago.
                Já voltei a 3 dias, e ainda sinto falta de algo. Minha vida esta exatamente como era antes deu viajar – ainda assim, parece que algo esta fora do lugar. Eu bem sei que, daqui a mais alguns dias, isto vai passar. Mas é um sentimento que te confunde e faz pensar. E pensar é perigoso. Mas, com certeza, as vezes é bom viajar e desligar completamente do seu cotidiano. O ruim é voltar.
                Prometo que, da próxima vez, largo mão do “diário adolescente” e escrevo um texto mais interessante.