Normalmente, quando o assunto de algum texto que eu escrevo esta fortemente ligado a politica – como é o caso – eu me sinto um tanto nervoso. Porque entender politica, especialmente no Brasil, é mais complicado que fugir da Líbia: são inumeros discursos tentando influenciar você, uma quantidade inimaginável de interesses politicos maiores que o do povo e um sistema de leis complicado feito para não ter facil acesso.
Mas aqui, mesmo que este texto trate boa parte sobre política, eu não tenho o menor receio de escrever. A verdade é que tão facil falar mal do Kassab que fica quase impossivel defende-lo, e quase sem graça critica-lo.
Primeiro, gostaria de relembrar ao leitor que, quando a gestão Serra (2 anos) e Kassab (5 anos) começou, a tarifa do transporte publico viario metropolitano – o famoso busão – estava R$1,70. Hoje, a R$3,00, o aumento chega perto de 100%. É necessario entender o que isto significa: fazer um viagem por dia custa, em São Paulo, R$180 reais por mês, e está entre a segunda e terceira maior despesa do paulistano. Se você tiver um filho e ele também fizer uma viagem por dia, são mais R$90,00. Se algum de vocês precisarem de metrô, então, o custo dispara para R$258,00 reais por mês para o pai, e R$129,00 para o filho (numa família de 4 pessoas com 1 viagem por dia de ônibus cada, o preço seria de R$540,00 por mês, 98% do salário mínimo) . Isto não apenas representa uma despesa insustentável para muitas familias, mas é um aspecto que impede que o cidadão tenha acesso a cidade como um todo, inclusive a serviços públicos, como educação e saúde. Se você tem uma consulta marcada e não tem a sorte que poucos tem de morar perto de uma UBS (Unidade Báscia de Saúde), ir ao médico custará no minimo R$6,00. Se tiver de ir acompanhado, R$12,00. É por isto que é correto afirmar que uma tarifa de R$3,00 é um enorme e insultante instrumento de exclusão social.
Mas pareçe mesmo que nosso querido prefeito tem algum tipo de trauma de infância com pobre. Além deste enorme instrumento de exclusão social que ele transformou o transporte, ele expulsou todos os camelôs que ocupavam há decadas diversas ruas do centro; assim como proibiu termenantemente a apresentação de artistas de rua que peçam dinheiro. Uma ação ridicula com uma desculpa esfarrapada de que eles faziam “comércio ilegal”. O problema não querer retirar camelos do centro ou, até mesmo, os artistas de rua – o problema é fazer isto de uma maneira extremamente iginorante. Proíbe, manda policia tirar e depois finge que pobre não existe. Não tem qualquer politica de inclusão destas pessoas em uma parte formal da sociedade, para que possam ter uma vida digna. Pareçe mesmo que, para o Kassab, pobre é pobre porque quer, e não tem nada que vir encher o saco dele ofereçendo ou pedindo qualquer coisa. Então tira ele da rua e finge que não existe.
Mas voltando ao que deveria ser o foco deste texto, gostaria de chamar atenção para o orçamente de transporte dos ultimos anos. Quando, em 2008, Kassab prometeu não aumentar a tarifa de onibus por 2 anos, ele fez um dos atos mais populistas possíveis. A consequencia foi óbvia: ele simplesmente quebrou a secretaria de transportes, e o repasse de subsídios para as empresas de onibus (maneira da prefeitura baratear as passagens) alcansou uma impressionante cifra de mais de 800milhões de reais. Este dinheiro veio de nenhum outro lugar se não os outros investimentos previstos pela secretaria de transporte (como construção de terminais e corredores), assim como o dinheiro da arrecadação de multas, zona azul e diversas outras fontes que deveriam ser utilizadas para investimento, e não para garantir lucro de empresário. Vale dizer que, no desespero das contas que não fechavam, Kassab conseguiu aumentar a arrecadação de multas em 20% e aumentou o preço da zona azul em 30%, expandindo sua obrigação em inúmeras partes da cidade, como grandes parques (mais uma forma de exclusão social).
Passados dois anos (em 2010), Kassab foi a imprensa e anunciou o reajuste de 17,5%, de R$2,30 para R$2,70, dizendo que o reajuste anual é o correto e significa transparencia. Uma contradição ridícula e escancarada com seu próprio pronunciamento das eleições de 2 anos antes.
Mas o correto deveria ser que, após reajustar a tarifa mais do que a inflação do período de 2 anos em que ela ficou congelada, as contas da secretaria de transporte se normalizassem. Certo?
Errado. No ano passado, todos os investimentos em terminais, corredores e expressos de onibus foram reduzidos a, pasmem, R$0,00. Nem um único centavo foi investido, de acordo com orçamento da prefeitura do ano de 2010 (
http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/orcamento_2010/orc2010_quadro_detalhado_despesa_2010.pdf). Todo o dinheiro foi repassado para as companhias de onibus em forma de subsídios, que alcançaram a cifra de 660 milhões de reais; e nem 1 metro de corredores ou terminais construídos. Só o transporte particular teve investimentos, e grandes, como o rodoanel ou a nova pista da marginal Tietê.
Então chegamos a 2011, quando Kassab anuncia que a tarifa vai subir de novo, dessa vez para R$3,00, muito acima da inflação. Seguindo a lógica, o repasse em forma de subsídios para as companhias de ônibus deveriam diminuir, certo?
ERRADO. O repasse vai aumentar cerca de 100milhões de reais (de R$660mi para R$750mi)
A planilha de custos, feita pelo irmão de Gilberto Kassab que é dono de uma das maiores empresas de ônibus da capital, é escancaradamente superfaturada. A prefeitura nem tentou esconder – o preço do diesel, por exemplo, esta a R$1,85/litro na planilha, enquanto seu preço real é de R$1,70/litro. Só esta diferença já significa um aumento de 10 centavos em cada passagem. Enquanto o secretaria de transporte se esconde na desculpa de que trata-se de um novo tipo de diesel – o biodiesel – o fato admitido pela própria prefeitura é de que apenas 8% da frota de ônibus consegue circular com o combustível ecologicamente correto. Além disso, não houve aumento semelhante aos salários dos motoristas e cobradores dos ônibus.
Este modelo de transporte público adotado por São Paulo – que já se mostrou ultrapassado e insustentável – não apenas prioriza cegamente o transporte privado (resultando na dificuldade de mobilidade urbana que vemos hoje em São Paulo) como se transformou, principalmente na gestão Kassab, em mercadoria, fonte de renda de empresários através de planilhas super-hiper-ultrafaturadas.
É triste ver que toda a burocracia existente na política ainda permite que um escândalo destes não tenha nenhuma repercussão. Não fosse o MPL (Movimento Passe Livre) para denunciar e organizar manifestações, Kassab e seu irmão estariam desfrutando de dinheiro público fácil.
Por isto, convido a todos para as manifestações do MPL contra o aumento da tarifa, e pondo em debate o modelo de transporte que querermos para a cidade. A próxima ocorrerá quinta-feira, dia 03/03, às 17h, na praça do ciclista (esquina da consolação com Paulista).
Enquanto no campo político a negociação com a prefeitura começa a parecer viável, resultado de enorme pressão popular, uma nova reunião foi marcada para o dia 04/03, com o secretario de transporte (que não tem capacidade de mudar o aumento, visto que está é uma tarefa exclusiva do prefeito). Vamos ver se, desta vez, ele vai.
Por: Vitor Quintanilha Barbosa.